O que a invasão do Capitólio tem a nos dizer sobre o sombrio futuro que nos que espera? Essa é a pergunta que me martelou a cabeça ao ver as selvagens cenas de invasão do Capitólio, onde quatro pessoas morreram e outras tantas ficaram feridas, na insana ação. E isso me remeteu, automaticamente, a outros eventos, de outros janeiros, que de alguma forma, indicam os rumos da humanidade.
Lembro que ainda estava usufruindo de meus dias de recesso, em 2020, quando fui subitamente surpreendido por uma notícia com potencial para abalar a paz mundial: Donald Trump havia autorizado um ataque aéreo fulminante, que no dia 3 de janeiro vitimou o líder da Guarda Revolucionária iraniana, abrindo espaço para rancorosas promessas de vingança do governo do Irã, o que colocou o mundo inteiro em alerta. É certo que o general Soleimani não era um anjo em missão de paz, mas isso é questão que extrapola o desejo de análise desde breve editorial.
Onde quero chegar é que naqueles dias, os primeiros do primeiro mês do ano, tudo transcorria como em um outro janeiro qualquer. O novo corona vírus, ainda que com pontencial para assustar, estava relegado a notícias vindas de Wuhan, nos confins da China, embora a Europa já vivesse suas primeiras tormentas. No Brasil ainda esperávamos o ano começar, após, claro, os dias de Carnaval. E acredite, mesmo com a pandemia batendo à porta, sim, teve Carnaval! E o ano, finalmente, começou!
Dois mil e vinte e um começa um pouco diferente. Mas só um pouco. O vírus já está instalado no país e não podemos sequer nos dar aquele luxo de esperar o Carnaval para inciarmos nossas atividades rotineiras, já que as festas de Carnaval ficaram mesmo para o segundo semestre. Mas no quesito notícias com potencial para chocar o mundo, os janeiros, de 2020 e de 2021, guardam algumas semelhanças que espantam para longe aquele clima otimista de início de ano. E não é culpa do Corona, mas de nossa própria desinteligência.
Tanto o ataque ao Irã, no ano passado, quanto a espantosa invasão do Congresso ameriano, esse ano, por uma orda de pessoas dispostas a interromper a tão venerada (por eles) democracia americana, são notícias de um início de janeiro que angustiam cada vez mais um tempo que clama por paz. Recordo-me que, no janeiro passado, quando tomei conhecimento de que um alto general do Irã havia sido assassinado a queima-roupa, por um ataque deliberado dos EUA, pensei: “sim, é o princípio do fim”. No efervescente oriente médio, o Irã poderia atacar Israel, que revidaria com uma guerra nuclear. Para nossa sorte nada disso aconteceu, pelo menos, por enquanto. Mas a bomba foi ativada e não é muito esperar pelo (in)oportuno momento para ainda assistirmos ao desfecho dessa história. Afinal, notícias recentes dão conta de que o Irã voltou a enriquecer Urânio a 20%, um passo largo rumo às suas primeiras armas nucleares.
Mas, voltando ao atual janeiro, percebemos que as coisas continuam de mal a pior no mundo. Nenhum de nós, talvez, já tivesse imaginado, fora dos livros de história, assistir ao vivo e a cores as cenas de uma insurreição armada no coração do autodeclarado bastião da democracia no mundo. A invasão do Capitólio, o prédio que abriga o Congresso dos EUA, deixou um saldo de cinco pessoas mortas e outras tantas feridas. Sim, foi uma insurreição armada! E tudo porque, para pelo menos setenta e cinco milhões de norte-americanos, as instituições do país caíram em descrédito. E por que isso alarma o mundo e deveria nos preocupar? Porque sabemos que parte do establishment mundial é sustentado por essas mesmas instituições. E não é demais lembrar que um arsenal com dezenas de milhares de ogivas nucleares estão exatamente sob a guarda delas.
A queda da democracia americana guarda, ainda, outros riscos que não apenas o fato de que um lunático possa ter ao alcance da mão um detonador de bombas atômicas. O descrédito das instituições, e isso parece ser um fenômeno mundial, indica, em grau crescente, a desconfiança de que ainda sejamos capazes de reger nossas sociedades sob a batuta da razão e do direito. E quando isso acontece, os caminhos que se abrem são para os velhos caudilhos. E como eles personificam o bem e o mal, o certo e o errado, e se tornam o fiel da balança para a justiça e para aplicação da lei, não é sob o consenso da razão que passamos a viver, mas sob a vontade de um tirano. A Rússia de Putin que o diga!
É claro que muitos acontecimentos ainda estão por vir nesse longo ano de 2021 que se apresenta. Talvez, até mais obscuros do que estes do fatídico dia 06. Mas certamente, a invasão do Capitólio estará registrada para sempre nos anais da história, como um gigantesco sinal de alerta para a humanidade. Mesmo que pareceça detestável admitir, e que lá no fundo ainda alimentemos aquele ranço juvenil de “morte ao império”, os tempos que se descortinam, sobretudo aqui no Brasil, parece que nos impelem a desejar saúde e vida longa à democracia americana.
Vamos esperar os próximos janeiros.